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Por Paulo Moreira Leite
No início da década, quando a AP 470 sequer fora julgada pelo Supremo Tribunal Federal, o advogado Edson Ribeiro publicou um artigo na revista do Instituto dos Advogados do Brasil no qual denunciava a escalada punitiva em curso na justiça brasileira. “Vivemos hoje a espetacularização do direito penal e o escárnio público ” escreveu, como se antecipasse cenas da AP 470 e, mais tarde, da Operação Lava Jato.
Citando nominalmente o presidente do STF na época, ministro Cezar Peluso, Ribeiro escreveu que este “brada aos quatro cantos pelo descumprimento do princípio constitucional da presunção da inocência, clausula pétrea insculpida em nossa Carta cidadã.”
Em 2015, Edson Ribeiro enfrenta um exemplo prático da situação que denunciava na teoria. Aos 57 anos, formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, com especialização em Direito Penal Econômico pelas Universidade de Coimbra, em Portugal, e Castilla-La Mancha, na Espanha, ele é o advogado de Nestor Cerveró, diretor da área internacional da Petrobras denunciado na Operação Lava Jato. Cerveró foi preso em 15 de janeiro no Aeroporto do Galeão, quando desembarcava de Londres para atender a uma solicitação de um oficial da Justiça para que prestasse depoimento no Brasil.O interrogatório estava até marcado para uma sexta-feira, onze da manhã, em sua casa em Itaipava. Cerveró chegou ao país numa terça, foi preso no desembarque e não saiu mais da cadeia — responde ao processo atrás das grades, passou de acusado a réu e, após um ultimo interrogatório, nesta semana, pode ser sentenciado por lavagem de dinheiro nas próximas semanas.
A principal alegação para manter Cerveró em regime de prisão preventiva é um possível risco de fuga, explicação que já conquistou lugar nas anedotas do judiciário brasileiro, ainda que envolva um fato grave como a perda da liberdade de uma pessoa. Caso se leve essa alegação a sério, Cerveró se transforma no primeiro cidadão que, já no estrangeiro, decidido a fugir do país, de posse de um passaporte espanhol que lhe daria transito livre por toda a Europa, resolve voltar ao Brasil para ser citado por uma Oficial de Justiça e enfrentar as acusações contra si existentes. Na semana passada, encarcerado há quatro meses, Cerveró prestou depoimento ao juiz Sergio Moro. Quando parou de responder perguntas, ele questionou o juiz, em tom indignado, pelo fato de ter permanecido na prisão com base na denúncia de uma revista. Não repetiu, ali, alegações de sua inocência. Apenas perguntou porque não teve direito a responder ao processo em liberdade ou pelo menos sob “prisão domiciliar.” Após um diálogo no qual Cerveró colocava questões que Moro não mostrou interesse em responder, a conversa encerrou-se quando o juiz disse que não iria discutir suas decisões com o réu.
PML — O senhor se surpreendeu com a atitude de Cerveró?
EDSON RIBEIRO — Ele está indignado. Permanece preso há quase cinco meses sem fundamentação legal e sem que nenhuma das acusações contra ele tenha sido fundamentada com provas. Tudo se baseia em ilações formadas a partir de duas notícias publicadas pela VEJA. Numa delas, se diz que ele era dono de uma empresa off-shore no Uruguai. Na outra, que usou seu um apartamento no Rio de Janeiro para fazer lavagem de dinheiro. O problema é que, mesmo num mundo de intensa cooperação internacional, onde é relativamente fácil apontar quem é dono de uma off-shore, ou pelo menos oferecer indícios relativamente consistentes, até em paraísos fiscais mais tradicionais, fechados, como a Suiça, nada se provou. Aquilo que a revista disse permanece assunto de seus repórteres, não da Justiça.
PML — Mas ele é acusado de lavagem de dinheiro.
EDSON RIBEIRO — Há uma falha de base nessa acusação. Nós sabemos que o crime de lavagem de dinheiro não existe sòzinho. Uma pessoa só pode ser acusada de lavagem quando se prova que houve um crime anterior, que deu origem a um recurso escuso, que precisa ser lavado. Mas cadê o crime anterior?
PML — Não seria Pasadena?
EDSON RIBEIRO – Não seria Pasadena e nem a contratação de sondas de águas profundas como delatado por Júlio Camargo. Eu acho que Pasadena está sendo deixada de lado. Passada aquela fase inicial, quando o Tribunal de Contas da União se ocupou do assunto, em que até a Presidente da República disse que não fora informada devidamente sobre as condições da compra, ela não está mais no foco das acusações. Faltam fatos. As delações e testemunhos atuais envolvem outros investimentos, como o COMPERJ, a Abreu e Lima, que nada tem a ver com o Cerveró. Ele deixou a empresa em março de 2008 e os fatos relatados são posteriores. Com relação a acusação de corrupção na contratação de sondas de águas profundas Júlio Camargo afirma que pagou a Fernando Soares e não a Nestor Cerveró e Fernando Soares, por sua vez, nega que tenha dado ou oferecido vantagens a Cerveró.
PML — Mas considera-se que, na ação que se investiga a contratação das sondas, Paulo Roberto Costa incriminou Cerveró.
RIBEIRO – Pelo contrário, disse que, como diretor internacional, não poderia ter decidido sozinho pela contratação. A decisão era colegiada. E mais, afirmou que Cerveró nunca o procurou para facilitar a aprovação da locação das sondas.
PML - E a compra de Pasadena?
RIBEIRO — O Paulo Roberto Costa admitiu ter recebido um milhão e meio de dólares para não atrapalhar o negócio. Também disse que outros diretores podem — é bom prestar atenção na palavra — ter recebido. Mas, além de não ter provado que recebeu o alegado, não especificou os diretores que também poderiam de ter recebido.
PML — Há duas semanas, o ministro Teori Zavaski transferiu nove empresários e executivos para o regime de prisão domiciliar. O Cerveró pode ser beneficiado por uma medida semelhante?
RIBEIRO — Isso é o justo. Nosso prazo é mais longo. Ele foi preso mais tarde e os pedidos de habeas corpus demoram mais. Um deles foi examinado pelo Tribunal Regional da Quarta região e foi negado, como tem acontecido sempre com outros acusados. Precisamos agora aguardar pelo Superior Tribunal de Justiça e, se for negado, também, por uma decisão do Supremo.
PML — Por que o juiz faz questão de manter o Cerveró prisioneiro?
RIBEIRO — Minha opinião é que ele quer uma delação premiada.
PML — Ele faria?
RIBEIRO — Não. Uma delação premiada pode fazer sentido para quem tem culpa e já está tentando diminuir sua pena. Mas não há provas contra o Cerveró. Ele é inteiramente inocente dessas acusações. Não precisa de prêmio. Só precisa que seu direito a presunção da inocência seja reconhecido.
PML — Pelos prazos dos tribunais superiores, e pelo ritmo do juiz Sergio Moro, Cerveró pode ser condenado sem direito a recorrer em liberdade e passar a cumprir pena antes que os recursos sejam julgados. E aí, o que acontece?
RIBEIRO — Voltamos ao início. Impetraremos novo habeas corpus requerendo seu direito a recorrer em liberdade.
PML — Muitas pessoas acreditam que a impunidade começa nessas horas, quando os tribunais superiores examinam as decisões de primeira instância e modificam decisões anteriores.
RIBEIRO — Este é um ledo engano, como escrevi no artigo “Violações Constitucionais: a verdadeira causa da impunidade.” A situação real é inversa. A impunidade é produzida pelo desrespeito aos direitos e garantias individuais, que costuma ocorrer na primeira instância, seja pelos juízes, pela autoridade policial, e também, por alguns membros do ministério público. Infelizmente é assim. O desrespeito a esses direitos obriga os advogados a arguir pela nulidade processual ou impetrar habeas corpus como remédio a essas violações constituições. Muitas vezes, a instrução criminal é anulada e tem de ser refeita, perdendo-se um tempo precioso que pode levar a prescrição e a consequente impunidade.
PML — O senhor acha que, depois da AP 470, nada se modificou no tratamento que o Supremo tem dado aos direitos e garantias fundamentais?
RIBEIRO – Não é bem assim. O Supremo sempre teve a tradição de defesa da Constituição Federal e consequentemente dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Em realidade, alguns magistrados, normalmente aqueles embriagados pelos holofotes da mídia, não tem por hábito o respeito à Constituição Federal, decretando, por exemplo, medidas cautelares despidas de fundamentação legal, ao arrepio da lei, atendendo, apenas, a seus inconfessos interesses de promoção pessoal.
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