826 visitas - Fonte: Jornal GGN
Entre as várias funções que um ex-presidente da República pode e deve exercer, uma das mais nobres e singulares consiste na prática do aconselhamento da nação, do povo e dos demais políticos, principalmente em momentos de crise. A experiência e a maior prudência que adquiriu no exercício do cargo o torna voz autorizada para desempenhar esse papel, desmobilizando a marcha da insensatez política que as disputas imediatas e apaixonadas provocam e indicando, com serenidade, caminhos de superação de crises e de construção de um futuro melhor.
Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula parecem viver dois momentos opostos em relação aos seus respectivos legados. Fernando Henrique, que saiu desgastado de seu segundo mandato, age para valorizar seu legado, tarefa que é ajudada pelas crises do governo Dilma e do PT. Lula, por sua vez, vê parte do seu capital político sendo erodida. Tem margem estreita de ação para salvá-la, pois a perda é provocada mais pelas crises do PT e do governo do que propriamente pela ação dele. Na medida em que cada um ainda está escrevendo páginas de sua biografia através da ação politica e como é preciso um distanciamento temporal para que a historiografia possa fazer seu trabalho com serenidade, seria presunçoso emitir juízos axiológicos sobre o legado dos dois ou até mesmo juízos comparativos.
Fernando Henrique e Lula, cada um pelo seu lado, goste-se ou não, ainda são os dois maiores líderes políticos do país. São eles que ainda exercem a maior autoridade política e moral junto a seus respectivos interlocutores e a diversos setores da sociedade. São eles ainda que conseguem perceber, melhor que os outros, a “realidade efetiva das coisas” e de interpor-se à marcha da insensatez política.
Foi Lula, por exemplo, que, durante a campanha eleitoral do ano passado, percebeu a crise do PT, afirmando que o partido havia caído na vala comum, que havia se igualado aos outros partidos, que havia se transformado numa “máquina de fazer dinheiro” e que havia se corrompido. É Fernando Henrique, agora, que se manifesta contra as iniciativas do PSDB acerca do impeachment de Dilma, indagando “como pode um partido pedir o impeachment antes de um fato concreto? Não pode!”. Em Comandatuba, FHC aproveitou a deixa também para posicionar-se contra a redução da maioridade penal, patrocinada pela bancada federal do PSDB.
Degeneração do PT e do PSDB
O fato é que o PT e o PSDB do final dos anos de 1980 e início de 1990, quando Lula e FHC exerciam influência mais direta em suas agremiações, eram melhores do que o PT e PSDB de hoje. Ambos os partidos se corromperam e se degeneraram politicamente. O PSDB se desfigurou enquanto partido que carregava a promessa da social-democracia. O PT se desfigurou enquanto partido de esquerda, que prometia uma revolução social e a ética na política. O PSDB foi tomado de assalto por grupos de interesses particulares, por interposições evangélicas, pela bancada da bala etc. O PT abrigou esquemas corruptos, se afastou do povo e assumiu uma ideologia de “novo rico”. A degeneração do PT e do PSDB bloqueou o processo reformador da sociedade e do Estado brasileiros.
A dialética da disputa saudável e democrática, reformadora das instituições, que os dois partidos poderiam ensejar se transformou em uma dialética de disputa de interesses particulares e de assalto a determinadas partes do Estado para locupletar setores partidários e de seus respectivos satélites. De partidos reformistas que se anunciaram, PT e PSDB se tornaram prisioneiros do atraso, governaram com o atraso e se tornaram o atraso.
Ao reduzir as disputas apenas do poder pelo poder, PT e PSDB deixaram de lado o conteúdo programático e estratégico. O PT sustentou a disputa baseado em slogans vazios: “herança maldita”, “neoliberais” etc. Quando essas fórmulas ocas se tornaram não funcionais e carentes de significados para a sociedade, o partido deixou de ter o que dizer. O PSDB de Aécio Neves pregou o “desaparecimento do PT” e semeou o ódio partidário pelo país. A última campanha eleitoral foi uma das mais andrajosas em termos programáticos e de debate acerca do futuro do Brasil.
Para Sair da Crise Política
Na medida em que a proposta de impeachment namora com o golpismo institucional e que as manifestações de rua começam a perder fôlego, é necessário buscar uma saída para a crise. Cabe ao governo consertar os erros da política econômica cometidos no primeiro mandato. Mas cabe aos partidos, aos líderes políticos e à sociedade civil buscar uma saída para a crise política.
A superação da crise política passa pela reforma política. Sem reformar nossas instituições políticas e eleitorais e aumentar sua eficácia, as crises políticas serão intermitentes. Porém, uma reforma política minimamente eficiente não será realizada apenas pela pressão social. Como não há consensos mínimos para viabilizar uma reforma política adequada, será necessário um acordo político para que ela se torne possível.
É aqui que os ex-presidentes Fernando Henrique e Lula são chamados a exercer o papel de conselheiros da nação. Somente eles são capazes de bloquear a insensatez e o sectarismo e patrocinar um entendimento capaz de possibilitar a reforma política. Evidentemente, outros líderes, a exemplo de Michel Temer e representantes de outros partidos, deveriam participar desse processo. A sociedade civil, que já discutiu propostas e criou fóruns pela reforma política, também deveria participar dessa concertação. É preciso aproveitar esse momento que a crise suscita para reformar as nossas instituições políticas. O Brasil não pode continuar convivendo com essa agonia sem fim, marcada por instituições que não funcionam.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política.
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