5293 visitas - Fonte: Matheus Pichonell
“Se não tivesse dado bobeira, não tinha acontecido”. Cada vez que alguém repete esta frase e seus derivados, um grande sinal verde se acende para todo tipo de atrocidade, do assedio verbal à violência física. Durante anos, séculos, machões pais e machões filhos aprenderam que mulher direita deve se precaver. Deve zelar pelos próprios desejos, para não ser chamada de “rodada”, e pelos desejos alheios, para não provocar demônios (masculinos) irrefreáveis.
Uma saia, um beijo, uma conversa íntima, uma saída com as amigas para uma cerveja ao fim do dia: basta colocar os pés fora de casa, e profanar o esfregão e o avental destinados a ela, para assumir, por sua conta e risco, um destino manifesto. “Se não tivesse dado bobeira, não tinha acontecido”. Pois, se acontecer, a culpa é dela. Se aconteceu é porque mereceu.
Duvido que o leitor, homem ou mulher, tenha passado o último ano, talvez o último mês, sem ter ouvido discursos desse tipo. Pelo raciocínio, homens são seres incapazes de refrear os próprios desejos. Estes não podem ser despertados porque, presume-se, não se controla a força de uma corrente natural. Sendo assim, basta à mulher se comportar e saber onde pisa e o respeito brotará como um dom natural, certo? Errado. Muito errado.
Tão errado que dá até vergonha de repetir.
Mas a gente repete. E vai repetir todos os dias até que figuras públicas, como Rachel Sheherazade, deixem de deseducar seu público com discursos tão primários quanto enganosos. O último deles aconteceu após o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), homofóbico declarado, dizer à colega Maria do Rosário (PT-RS) que só não a estuprava porque ela não merecia.
Bolsonaro acabava de afofar o colchão que durante séculos permite aos machões de todos os matizes, de direita ou de esquerda, ricos ou pobres, cristãos ou ateus, estraçalhar quem estivesse à sua frente pelo critério do merecimento. É quando o estupro deixa de ser considerado o que é – um crime hediondo – e se torna um recurso apenas não recomendável.
Esta premissa, repetida à exaustão nas melhores casas de família, e agora vomitada na tribuna do Congresso, é um dos muitos sinais verdes para a perpetuação de uma atrocidade. Este grande letreiro culpa a vítima pelo merecimento, ou não, da violência sofrida e exime o homem do próprio crime – este é compreendido como um instinto natural, portanto incontrolável, e não uma ação legitimada por um discurso recorrente.
Nada mais natural, portanto, que este discurso seja prontamente refutado por quem luta diariamente por um direito básico: o direito de viver em segurança com o próprio corpo. Por isso é uma pena, sob todos os aspectos, quando as protagonistas desta batalha são criminosamente reduzidas a “feminazis”, numa confusão odienta entre feminismo e nazismo. Pois foi esse o recurso usado por Sheherazade para sair em defesa de Bolsonaro.
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