367 visitas - Fonte: Rede Brasil Atual
Débora Maria Silva, coordenadora do Movimento Mães de Maio, formado por familiares de vítimas da violência do Estado, espera que no próximo mandato a presidenta Dilma Rousseff assuma compromissos firmes sobre as pautas contra a violência policial e pelo fim do encarceramento em massa. Ela avalia que a mudança de comando no Ministério da Justiça seria um bom começo. “O (José Eduardo) Cardozo é o 'ministro da injustiça'. Ele nunca dialogou conosco nem se posicionou contra a violência estatal. Pelo contrário, ofereceu apoio”, critica Débora.
A militante destacou que em diversos momentos o movimento esperava uma atuação diferente do ministro. Como exemplo, cita o pedido de federalização e desarquivamento das investigações dos chamados crimes de maio, em 2006, quando pelo menos 493 pessoas foram mortas pela Polícia Militar de São Paulo em uma semana, durante retaliação aos ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), os quais seguem sem investigação após oito anos. "Também nas prisões ocorridas em protestos durante a Copa do Mundo, o ministro nunca se posicionou contra os excessos dos agentes públicos”, critica Débora.
No ano passado, durante as manifestações de junho, iniciadas em São Paulo com protestos contra o aumento da passagem nos transportes públicos, Cardozo não condenou a violência contra os manifestantes e ofereceu apoio da Força Nacional aos governos estaduais.
No período em que ocorreram as prisões de 21 pessoas ligadas aos protestos, no Rio de Janeiro, e as de Fábio Hideki e Rafael Lusvarghi, em São Paulo, durante a Copa do Mundo, o ministro evitou comentar as ações do poder público.
“O ministério tem uma posição muito clara contra abusos, venham de onde vierem. Nós não podemos aceitar que pessoas utilizem manifestações para cometer crimes. Se há prova disso, têm de ser punidos. Por outro lado, não podemos concordar com abusos de autoridade”, declarou, após palestrar no 8º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado em São Paulo, em 30 de julho.
“Infelizmente, ele prestou um desserviço ao país. Muitas das nossas reivindicações poderiam avançar com o apoio do Ministério da Justiça, mas o Cardozo nunca agiu”, completa Débora, que apesar das críticas ao governo Dilma, avalia que a postura de alguns movimentos em defender o voto nulo é um erro grave. “Apesar dos problemas do governo federal, podemos ver como São Paulo, na questão de violência do estado, é a vanguarda do fascismo. Não queríamos isso nacionalmente”, pondera.
Em relação ao segundo mandato de Dilma, a ativista espera que a presidenta receba o movimento para um diálogo profundo sobre segurança pública. Conversa aguardada desde julho de 2012, quando o movimento solicitou uma audiência com a presidenta. “Nossos pontos seguem os mesmos desde então. Para nós, é obrigação de um partido de esquerda não aceitar a violação de direitos humanos, que está sendo banalizada pelas instituições policiais, sobretudo em São Paulo”, afirma.
Débora lembra que no ano passado 50 mil pessoas foram assassinadas no país. E que este ano, só em São Paulo, a letalidade policial aumentou 150% em relação a 2013. Entre julho e setembro deste ano, 80 pessoas foram mortas em confronto com a Polícia Militar na capital paulista, de acordo com dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP). No ano passado, foram 32 ocorrências no mesmo período.
A ativista acredita que uma forma de enfrentamento seria a aprovação do Projeto de Lei 4.471, de 2013, de autoria do movimento, em parceria com a Pastoral Carcerária e a Defensoria Pública de São Paulo. O projeto foi encampado por parlamentares do PT e do Psol e acaba com os chamados autos de resistência, registro para homicídio praticado por policial quando o suposto infrator resiste à prisão ou ataca o agente público. Esses casos não são investigados.
O projeto define uma série de medidas para preservação do local e garantia de que o processo sobre a ocorrência siga o caminho de qualquer registro de homicídio. “Na prática, esses autos de resistência servem como pena de morte contra o povo pobre e preto”, protesta Débora.
No entanto, após várias inclusões e retiradas do projeto na pauta e quatro reuniões com o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RJ), nada aconteceu.
Desmilitarização
Em São Paulo, o registro de auto de resistência foi proibido pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), mas a taxa de letalidade não foi reduzida. “Encontraram outro modus operandi. É só observar a quantidade de mortes em tentativas de assalto. Precisamos é desmilitarizar as polícias, dar independência para as investigações e reformar a Justiça. Nós estamos preparados para enfrentar essa luta, mas junto com ela. A Dilma e o PT não podem dar as costas para os movimentos sociais, que foram fundamentais nesta eleição”, afirma.
A pauta da desmilitarização é vista pelo movimento como uma possibilidade de reformar as polícias brasileiras, extirpando o conceito militar do “inimigo interno” e criando mecanismos de controle social. Junto a isso, as Mães de Maio defendem que a perícia seja separada da Polícia Civil – e mesmo da Secretaria de Segurança Pública – para garantir a isenção do trabalho dos investigadores.
“Quando é caso de violações de direitos humanos, a Justiça depende da polícia investigativa. Mas hoje não tem investigação, pois falta infraestrutura e também isenção. Sobretudo quando se trata das mortes dos nossos filhos. Já denunciamos isso no Conselho Federal do Ministério Público, mas até agora nada mudou”, afirma Débora.
Outras pautas cobradas pelo movimento são a efetivação das Defensorias Públicas Estaduais, que ainda são somente uma ideia em alguns estados, o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público e por Ouvidorias Policiais externas, com participação e controle da população, uma política nacional de atenção e reparação aos familiares de vítimas do Estado.
O movimento também reivindica uma política de desencarceramento, que reduza o número de presos no país, aplicando medidas cautelares e limitando a utilização da prisão provisória. O Brasil tem hoje 400 mil pessoas presas e, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 40% dos detidos no país ainda não foram julgados.
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