537 visitas - Fonte: Rede Brasil Atual
O último debate entre os candidatos a governador do estado de São Paulo, promovido pela Rede Globo, serviu para reforçar a pouca utilidade desse tipo de confronto no formato engessado em que se apresenta. Exceto para a emissora, uma concessão pública, que faz de um “programa” de baixo custo de produção, com duas horas de duração, e com seus intervalos comerciais – embora devesse ser, antes de tudo, de utilidade pública.
Para os candidatos de maior projeção, no entanto, não se pode se dar ao luxo de faltar. Não tanto pelo que se tenha a ganhar, mas pelo risco de se ter algo a perder.
O governador Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, raramente parte para uma resposta sem antes mencionar assunto que já se perdera em outro bloco ou avolumar números, muitos números, sobre temas que nada têm a ver com a questão. A tática talvez se encaixe na inexplicabilidade de seu suposto favoritismo. Ao destilar números (de hospitais, leitos, vagas em escolas técnicas, litros de água disponíveis na Cantareira, prisões feitas pela polícia, entre outros), posa de sabido, dominador da prancheta, ainda que o espectador não faça a menor ideia se o número apresentado é muito ou é pouco comparado ao orçamento e às necessidades do estado.
“Desafiado” por Gilberto Natalni (PV), por exemplo, a discorrer sobre o grave problema da carência de transporte sobre trilhos, assinalou o esforço do governo em articular Parceria Público Privada... na habitação, para construir 14 mil moradias no centro expandido de São Paulo (tudo a ver, para um estado que tem mais de 1 milhão de domicílios em situação indecente). Voltando à pergunta, listou com orgulho projetos em andamento das linhas 4 e 5 do metrô, e 15 e 17 de monotrilhos. Somente muitos minutos mais tarde, já em outro bloco – dada a impossibilidade de candidatos se confrontarem no momento em que o assunto pulsa –, Paulo Skaf (PMDB) lembraria tratar-se de projetos empacados que deveriam estar prontos há pelo menos três anos.
Gilberto Maringoni (Psol), já havia questionado aliás, logo no pontapé inicial do programa da Globo, que a campanha do PSDB no estado se beneficiara de doações eleitorais de empresas que são rés na Justiça. Maringoni referiu-se a denúncias de corrupção e formação de cartel em contrato firmados com os governos tucanos. O governador rebateu dizendo que das 13 empresas investigadas não recebeu doação de nenhuma. Mas recebeu, de duas delas – Queiroz Galvão e CR Almeida –, R$ 3 milhões, até agosto.
Os candidatos supostamente ainda competitivos, Paulo Skaf e Alexandre Padilha (PT), não tiveram chance de fazer perguntas diretamente ao governador. Coisa dos sorteios. O jeito era desferir as críticas ao candidato à reeleição por meio de indiretas, em embates com concorrentes como Ciglione e Natalini, nem um pouco interessados em chamuscar o tucano – tal como a imprensa corporativa e a Assembleia Legislativa o fazem nos últimos 20 anos.
Padilha procurou mais vezes explorar o que poderia ser um ponto fraco do tucano: a crise da água, sem deixar de mencionar a debilidade da gestão em outras áreas vitais, como saúde, educação e segurança. Lembrou que o governo do estado não fez os investimentos apontados há dez anos como necessários para evitar o desabastecimento que a população está sofrendo, com viés de piora nas próximas semanas. “Foi uma perversidade em relação a projetos de saneamento e abastecimento”, definiu Padilha. “Não falta água em São Paulo”, negou Alckmin. “E não faltará.”
Laércio Benko (PHS) reforçou o tema, lembrando que a seca que atinge o estado não teria impactos tão graves se a Sabesp (a empresa controlado pelo estado) não tivesse aberto seu capital na Bolsa de Nova York e pagado R$ 4,3 bilhões de dividendos a acionistas. Alckmin se preparava para responder, não sem antes abrir parênteses para números de... hospitais inaugurados, quando o mediador, César Tralli, informou docemente constrangido: “Desculpe, governador, o seu tempo acabou”. Mas sem crise.
Mais adiante, Alckmin retomaria o fio da meada para enfatizar que a Sabesp, como empresa de capital aberto, é obrigada a distribuir 25% do lucro –desprezando o fato de que uma empresa pública, prestadora de um serviço essencial, deveria investir em obras para evitar o colapso, ainda que sob risco de distribuir um menos de lucros aos investidores.
Padilha e Skaf talvez tenham percebido (a cinco dias da eleição), que o principal adversário é o tucano. Pouparam-se de se engalfinhar pelo segundo lugar – pois se não houver segundo turno eis que o segundo lugar nada valerá – e trataram de mirar com mais veemência o alvo a ser batido. Lembraram, além da crise da água, do fechamento de leitos em hospitais públicos, do privilégio aos lucros das concessionárias de estradas acima dos preços cobrado dos usuários de pedágios e dos prazos para a execução de obras, do impacto da corrupção no ritmo das obras do metrô e, consequentemente, no transito engarrafado e na falta de transporte público.
Não se sabe se o foco no déficit de gestão do governador (que nos últimos 20 anos foi vice por seis anos, e governador por dez) terá impacto o bastante para desmentir os números nas pesquisas que indicam vitória do tucano já no domingo. Resta pouco tempo de exibição no horário eleitoral (também de baixa audiência).
Por esse aspecto, é possível que Alexandre Padilha tenha um pouco mais de lenha para queimar. Na reta final, na busca de conquistar votos da população que se considera simpatizante do PT (cerca de 20%), o ex-ministro da Saúde tem eventos de rua e uma militância aguerrida que não se deve desprezar. Na sexta-feira, por exemplo, está previsto um desfecho de campanha no centro de São Paulo com as presenças de Lula e Dilma. Para as pretensões da presidenta de evitar um segundo turno na corrida pela reeleição, a votação em São Paulo pode ser decisiva.
Desse debate televisivo, no entanto, pouco se espere. Para os eleitores indecisos, o debate quase nada se produz. Para os candidatos que precisam ganhar adeptos, e tirar votos de adversários, tampouco. Haja vista que do início para a reta final da campanha os chamados “nanicos” – por pertencer a partidos pequenos e com pouco tempo de exposição durante a campanha – raramente ganham adeptos, e via de regra encolhem.
Quantos eleitores, por exemplo, Walter Ciglione (PRTB), depois de indisfarçável tabelinha com Alckmin ao longo do programa no esforço de federalizar problemas de São Paulo, espera convencer arrastando-se até as considerações finais – para então revelar: “Deixei a família em casa, a filha de lado e venho a quatro, cinco meses estudando com afinco para melhor trazer uma proposta pra você”. Que fase.
Que o Brasil, no embalo de discutir uma reforma que modifique e aprimores seu sistema político, discuta também novas regras e formatos para os debates. Para o bem da democracia. E dos debates.
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