467 visitas - Fonte: Tijolaço
Eu não sou, na essência humana, em nada diferente de um finlandês, de um birmanês, de um sudanês ou de um japonês.
Mas sou, culturalmente, diferente de todos eles.
É que padeço do “mal” de ser brasileiro, um prato que tem mais ingredientes que qualquer receita que eu conheça, cozido e frito ao calor dos trópicos, numa panela quase continental, onde cabe quase tudo e quase nada é demais.
Em algum ponto da minha história há uma taba, um açoite nas costas e um chicote na mão, um veludo e uma tanga, um nativo e um imigrante, todos eles a se misturarem e a me ensinarem a tolerância.
E ela, embora traga prejuízos, os traz menores, porque a nós mesmos, mais que aos outros.
Sou mestiço, ainda bem, cheio de coisas boas e ruins, que se confundem, como o leite do leiteiro de Drummond, numa nova cor, à qual chamamos aurora.
Ainda bem que não sou puro, porque a pureza é irmã da intolerância e da pretensão: o fundamentalista, o “imitador de Cristo”, o hipócrita, o lacerdista, o talibã, o ariano, a raça (física ou moral) eleita para dominar e subjugar.
Assim, posso ser um branco azedo ou um crioulo retinto e ser a mesma coisa. Uma vez, aliás, a pesquisadora do Censo, eu vi, marcou branco como minha cor e se desconcertou quando lhe perguntei se, caso ela lavasse seus lençóis e eles ficassem da minha cor, continuaria usando o mesmo sabão.
Mas há uma coisa que em quase nenhum povo no mundo pode ser igual a mim, igual a nós.
É que estou construindo um país, enquanto os outros, quase todos, ou já o têm pronto, ou talvez nunca o tenham, porque a globalização – tecnológica, cultural ou, sobretudo, econômica – os pegou verdes demais para resistir a esta máquina de moer culturas.
Não se iludam, este triturador anda aqui também.
Mas já encontra a gente meio endurecido e, no liquidificador cultural, nos sobram pedaços “imoíveis”.
O Sete de Setembro não é um chilique de D. Pedro, amofinado pelas ordens que lhe vinham da corte lisboeta- da qual aliás, veio a ser a majestade, Pedro IV .
É uma história que vem de longe, lá dos Guararapes, onde a conveniência portuguesa permitiu que se fundasse a ideia de que, se somos índios, negros e brancos para morrer, também o podemos ser para viver.
Algo que séculos depois continua sendo decidido, um mês depois da festa – que festa? ninguém comemorou! – da Independência.
Eu não quero ser igual e eles, quero ser igual a nós.
Não quero colonizá-los, como fizeram a nós, nem saquear-lhes as riquezas, como fizeram às nossas.
Quero trazer deles, do mundo inteiro, e quanto puder, o melhor da humanidade, o imaterial: a arte, a música, os livros, a ciência, a filosofia e o reconhecimento de que sou tão humano quanto um finlandês, de um birmanês, um sudanês ou um japonês.
E também não quero ser seu jardim, sua horta, seu pomar, sua floresta.
Sou de um país que pretende, apenas, levantar-se de sua genuflexão secular e dizer apenas: sou o Brasil, sou eu mesmo, sim senhor.
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