511 visitas - Fonte: Rede Brasil Atual
Principal problema do país, conforme pesquisas de opinião pública, a saúde parece não receber a mesma importância da parte dos candidatos à Presidência da República. É o que se pode constatar a partir dos programas de governo, até mesmo dos candidatos mais bem posicionados nas pesquisas de intenção de voto. Com propostas evasivas, superficiais e muitas vezes contraditórias
"Todos os programas trazem a defesa do SUS, transformado em unanimidade, mas o consenso é vazio. Todos são incoerentes na maneira de discorrerem sobre o tema e nada definem sobre como dar sustentabilidade ao sistema público de saúde", avalia o professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, Mário Scheffer. Ele e a professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ligia Bahia, analisaram as propostas para a saúde contidas dos programas de governo registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Especialistas em saúde pública, os dois são autores do estudo Representação política e interesses particulares na saúde: o caso do financiamento de campanhas eleitorais pelas empresas de planos de saúde no Brasil, publicado em 2011.
Segundo os autores, nas eleições de 2010, as empresas de planos de saúde doaram oficialmente R$ 11.834.436,69 para as campanhas de 153 candidatos a cargos eletivos. Com o apoio financeiro dos planos de saúde, foram eleitos 38 deputados federais, 26 estaduais, três senadores, quatro governadores e a presidenta Dilma Rousseff (PT). Outros 81 candidatos receberam apoio, mas não foram eleitos.
A participação da saúde suplementar é crescente. Em 2006 foi da ordem de R$ 8.626.256,69; em 2002, R$ 1.398.040,40.
O estudo dos projetos dos presidenciáveis mostrou que o termo "SUS", que praticamente desapareceu dos discursos durante as eleições de 2010, retornou à cena. Porém, numa perspectiva que o reduz a uma rede de serviços assistenciais e oferta de algumas ações, congelados no tempo. O problema, segundo os pesquisadores, é que o sistema deixa de ser visto como um projeto político vivo, exigente de questionamentos, articulações e inovações técnicas e institucionais, e surge nos programas dos candidatos como um monumento a ser tombado.
"O falso consenso em torno do SUS fica evidente na ausência de compromissos programáticos para enfrentar as necessidades e as demandas de saúde", argumentam. E as políticas sociais, que deveriam ser entendidas como propulsoras do bem-estar e desenvolvimento, ficam em segundo plano.
Superlativos
Pela análise, os programas dos três candidatos mais bem posicionados nas pesquisas classificam o SUS com adjetivos superlativos, mas reduzem o significado a uma cobertura assistencial, quando deveria ser tratado como direito à cidadania. Em geral, os programas são vagos quanto ao compromisso com o sistema, além de desvinculá-lo das ações para melhorar as condições de vida da população.
O programa de Dilma Rousseff, candidata à reeleição à Presidência da República, insinua problemas em relação à "sobreposições de atribuições entre os entes federados". Eduardo Campos (PSB) fala em "redirecionamento para um sistema mais humano, personalizado, rápido e que ofereça respostas às demandas de todos os brasileiros", e Aécio Neves (PSDB) fala em "fortalecimento do SUS." Apenas o de Luciana Genro (Psol) constata os problemas do sistema, deixando nas entrelinhas o desvirtuamento das "funções originais do SUS."
Recursos
O financiamento do sistema é mencionado apenas nos programas do tucano Aécio Neves e de Eduardo Campos. E nenhum dos candidatos assume o compromisso de elevar os investimentos no setor e de reduzir os benefícios à saúde privada.
A vinculação dos 10% da Receita Corrente Bruta da União para a saúde, bandeira que se tornou projeto de lei de iniciativa popular com mais de dois milhões de assinaturas, continua parado no Congresso. O apoio ao movimento conhecido como Saúde + 10 aparece apenas no plano de Aécio Neves. O de Dilma Rousseff não diz nada a respeito. Todos os programas não apresentam propostas para novas fontes de recursos.
OSs
Os candidatos também não propõem diretrizes para a gestão da saúde pública, que ocupa papel de destaque no debate. A controversa gestão por Organizações Sociais (OSs), fundações públicas de direito privado ou parcerias público-privadas, é ignorada nos documentos. Apenas Aécio dá algumas pistas a respeito: "Implantação de iniciativas que melhorem continuamente a gestão do setor, como a autonomia de gestão em todos os níveis das redes de saúde, definição e uso de protocolos, padrões de qualidade e processos otimizados para os controles internos, e otimização do modelo assistencial, com iniciativas que incentivem a desospitalização e a profissionalização do cuidado."
Planos de saúde
Campeões em reclamação nos órgãos de defesa do consumidor, principalmente pela negativa de cobertura, os planos de saúde, que se beneficiam de incentivos e isenções fiscais, devem seguir livres de regulação severa. Os programas dos candidatos não apresentam propostas para superar ou pelo menos controlar a crescente insatisfação com os planos privados de saúde, exceto o do candidato tucano, que aponta “redução das grandes reclamações da população usuária dos planos de saúde, que representa 25% da população brasileira, com elevado número de insatisfações e com uma grande desigualdade no acesso e qualidade dos planos."
O tucano é também o único a não fazer mistério sobre a ação conjunta entre agentes privados e públicos na saúde. Para preocupação dos autores, defende a “implantação do sistema de PPPs – Parcerias Público-Privadas Sociais – criando meios para que o Estado e o setor privado possam financiar projetos e programas sociais e ambientais de interesse público."
O candidato do PSDB completa que pretende estabelecer: “integração do sistema de saúde suplementar com o SUS, para identificar oportunidades de colaboração e investimento e desenvolvimento de parcerias público-privadas.”
Modelo de assistência
A fragmentação da saúde nos programas fica evidente, também, em propostas de intervenções médico-curativas, baseadas no atendimento desordenado às pessoas que procuram os serviços de saúde, programas pontuais voltados à população infantil e idosa, por exemplo, em políticas como distribuição de medicamentos e até aquelas reduzidas à divulgação de hábitos saudáveis. Os programas nada falam sobre como fazer para reduzir a desigualdade no acesso e na utilização dos serviços.
E os que falam em articular saúde com outras áreas são vagos quanto à maneira de conduzir. Campos fala em "reorientar e integrar políticas setoriais capazes de promover a saúde e a melhoria da qualidade de vida", e Aécio fala em "inovação nas articulações que assegurem enfrentar déficits de educação, saúde, informação, aportes culturais e tecnológicos."
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