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AGU alega 'gastos desnecessários' para oferecer serviço alternativo a 0,000013% dos jovens alistados
São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) deve, nos próximos meses, dar a palavra final sobre a implementação de serviço alternativo ao serviço militar obrigatório para os brasileiros que alegam razões políticas, filosóficas ou religiosas para eximir-se das atividades de caserna quando completam 18 anos. O “imperativo de consciência” é um direito estabelecido pela Constituição desde 1988, regulamentado em lei desde 1991 e especificado em portaria ministerial desde 1992, mas até hoje não foi devidamente implementado.
Em 2008, o contínuo descumprimento da legislação incomodou os representantes do Ministério Público Militar (MPM) e Ministério Público Federal (MPF) na cidade gaúcha de Santa Maria, que então moveram uma ação civil pública para que o Estado brasileiro, por meio das Forças Armadas, oferecesse aos jovens em idade de alistamento a opção pelo serviço alternativo – e os comunicasse sobre essa possibilidade.
O processo tramitou pela Justiça Federal, passou pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e depois pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), com diferentes resultados. A União, que é contra a implementação do serviço alternativo, ganhou em primeira instância, perdeu na segunda e voltou a ganhar na terceira. Então, o MPF decidiu levar a contenda ao Supremo.
Na terça-feira (22), o pedido chegou à máxima corte brasileira para um último e decisivo embate. Ainda não houve andamento. O recurso extraordinário movido pelo Ministério Público Federal (MPF) faz basicamente três exigências às Forças Armadas. A principal delas é que se implemente o serviço alternativo ao serviço militar. As demais têm caráter informativo e consultivo.
Os procuradores da República querem que Exército, Marinha e Aeronáutica informem a sociedade sobre o direito de cada jovem em alegar imperativo de consciência no ato do alistamento. Para tanto, dizem, deveriam dedicar ao menos 30% das inserções publicitárias em jornais, rádio e televisão, e afixar cartazes em todas as juntas militares do país. O MPF pede ainda que, durante o alistamento, os jovens sejam consultados sobre possíveis objeções de consciência que os impeçam de prestar o serviço militar.
Em 2011, o TRF-4 acatou parcialmente as argumentações dos procuradores e determinou prazo de três anos para que as Forças Armadas divulgassem a existência do serviço alternativo, bem como estabelecessem convênios com outros ministérios ou instituições públicas para viabilizá-lo. Contrária à sentença, a Advocacia Geral da União (AGU) levou o caso ao STJ, que, em novembro, desprezou a necessidade de se implementar o serviço alternativo.
Legislação
O artigo 143 da Constituição determina que o serviço militar é obrigatório, mas prevê, no parágrafo primeiro, que “às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar”.
Dois anos depois de promulgada a Carta Magna, em 1991, o então presidente Fernando Collor de Mello sancionou a Lei Federal 8.239, aprovada pelo Congresso, para regulamentar o mandado constitucional. Em seu parágrafo terceiro, a legislação define serviço alternativo como “o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo”, que devem ser prestados em “organizações militares da ativa e em órgãos de formação de reservas das Forças Armadas”.
De acordo com o texto, o serviço alternativo pode, ainda, ser cumprido em órgãos subordinados aos demais ministérios, mediante convênio com o Ministério da Defesa, “desde que haja interesse recíproco e, também, sejam atendidas as aptidões do convocado”. A lei continua estabelecendo que o serviço alternativo incluirá treinamento para atuação em áreas atingidas por desastres, em situação de emergência e estado de calamidade.
Publicada em 1992, a Portaria 2.681 do Ministério da Defesa estabelece “normas e processos” para a aplicação da Lei Federal 8.239. O texto define, entre muitos outros pontos, que o serviço alternativo tem duração de 18 meses, seis meses a mais do que o serviço militar, e que o não cumprimento implica a suspensão de direitos políticos do jovem – “o que significa que não poderá votar, nem ser candidato a qualquer cargo eletivo."
O regulamento determina que os recursos orçamentários para viabilizar o serviço alternativo fora das instituições militares devem ser disponibilizados pelos ministérios que se utilizem das atividades do jovem. Por exemplo, se trabalhar num hospital, as verbas deveriam vir do Ministério da Saúde. E seriam utilizadas para pagamento de diárias, alojamento, vestimentas e calçados, além de alimentação e transporte.
Contingente
A portaria prevê também a existência de uma comissão em cada distrito naval, região militar ou comando aéreo regional para analisar os requerimentos dos cidadãos que optem pelo serviço alternativo. No entanto, de acordo com o coronel Antônio Paulo Maciel, gerente da Seção de Serviço Militar do Ministério da Defesa, as comissões ainda não precisaram entrar em atividade. “O número das pessoas que alegam imperativo de consciência é muito pequeno”, diz, “principalmente se considerarmos o universo de alistados.”
De fato, pouquíssimos brasileiros alegam imperativo de consciência para eximir-se do serviço militar. Em 2012, tão somente 0,000013% dos jovens alistados se disseram impedidos de servir às Forças Armadas por razões políticas, filosóficas ou religiosas: apenas 30 num total de 2,146 milhões, segundo dados oficiais. Nos últimos nove anos, 235 jovens requisitaram esse direito. Os números variam de ano a ano. Em 2005, por exemplo, foram três entre 1,670 milhões de alistados. Em 2010, 74 em 1,626 milhões.
Como não existe serviço alternativo, os jovens que alegam imperativo de consciência hoje em dia são automaticamente dispensados do serviço militar. “Basta preencher uma declaração de imperativo de consciência, que ele pode redigir de próprio punho, dizer que não deseja servir e explicar o motivo. A partir daí, ele será liberado”, explica o coronel, insistindo no baixíssimo índice de jovens que se enquadram nessa situação.
O oficial reconhece, porém, que as juntas militares não informam os jovens sobre a existência do serviço alternativo. “Partimos da presunção de que os cidadãos conhecem as leis e os artigos da Constituição”, afirma, garantindo que, caso a ação do MPF convença os ministros do STF e for determinado que haja publicidade, os militares passarão a orientar os rapazes durante o alistamento. “Os parâmetros que forem determinados pelos tribunais serão cumpridos, seja divulgação, implementação, tudo o que o Supremo determinar.”
Maciel lembra ainda que poucos jovens são efetivamente incorporados ao serviço militar obrigatório. No ano passado, de um total de 2,113 milhões de alistados, 4,41% ou 93.374 jovens serviram ao Exército, Marinha ou Aeronáutica. “Nossos recursos são escassos, e eles, logicamente, são carreados para a necessidade mais imediata, que é o serviço militar”, explica o coronel, sugerindo que, além da reduzidíssima demanda, a falta de verbas é um dos motivos que inviabilizam o oferecimento do serviço alternativo.
“Já consultamos os ministérios, particularmente as pasta de Saúde e Educação, e eles não mostraram interesse. Mesmo porque existem obrigações para eles”, pondera o coronel. “Caberia aos ministérios providenciar alimentação, uniforme, pagamento, transporte... Como não se interessaram, fica complicado para as Forças Armadas, por razões financeiras, executar o serviço alternativo nesse momento, mas, claro, se for determinado pelo STF, isso será operacionalizado.”
Divergências
A AGU, que representa as Forças Armadas perante a Justiça contra as exigências do MPF, reforça o argumento do Ministério da Defesa. “Não vale a pena implementar o serviço alternativo”, reafirma Rodrigo Frantz Becker, coordenador geral de Assuntos Militares da Procuradoria-Geral da União. “É muito mais fácil dispensar esses jovens.”
“O valor para implementar serviço alternativo é muito grande frente ao número de jovens que alegam imperativo de consciência. Teríamos que fazer convênios com órgãos públicos, movimentar toda uma máquina, gastar dinheiro”, enumera Becker, considerando que tampouco existe motivo para que fazer publicidade sobre o serviço alternativo.
“Uma coisa é consequência da outra”, pontua. “Não tem como fazer divulgação de um serviço que não existe. Por isso é que não se faz a propaganda. Não é necessário fazer propaganda porque não é necessário oferecer o serviço.”
Questionado sobre se as Forças Armadas desobedecem a Constituição, o representante da AGU atesta que o artigo 143 não ordena a implementação do serviço alternativo. “Entendemos que sua oferta deve ser garantida, segundo conveniência e oportunidade da administração. É uma possibilidade.”
Esse foi o entendimento do STJ ao dar ganho de causa à União. “Não foi comprovada a necessidade de implementação dos serviços alternativos, porquanto os cidadãos que optam por não prestarem serviço militar obrigatório são dispensados por excesso de contingente”, determinou a Primeira Turma do tribunal superior. “Não há como impor tal obrigação sem a certeza de sua necessidade para as Forças Armadas.”
O MPF discorda: entende que a Constituição obriga que as Forças Armadas ofereçam serviço alternativo e, por isso, decidiu levar a questão para o Supremo. “Não tem sentido exercer a escusa de consciência se não há serviço alternativo”, argumenta o subprocurador geral da República, José Elaeres Marques Teixeira. “O jovem pode ser liberado do serviço militar, mas não é liberado do serviço. Se há dúvidas sobre a interpretação constitucional, queremos que o STF se manifeste.”
Elaeres também discorda de que as Forças Armadas não devem divulgar o imperativo de consciência em peças publicitárias. E acredita que o número de jovens que recorrem ao direito previsto no artigo 143 da Constituição seria muito maior caso fossem informados dessa possibilidade. “Muitos que poderiam alegar a escusa de consciência, não alegam por desconhecer que ela existe. O número é tão limitado porque não existe informação para o jovem de que ele pode alegar escusa de consciência.”
Com mais pessoas requisitando serviço alternativo, o subprocurador garante que as Forças Armadas inevitavelmente teriam que passar a oferecê-lo. “Basta que estabeleçam convênios com hospitais ou escolas públicas. São atitudes relativamente simples, que podem ser estabelecidas para que se proporcione a possibilidade de a pessoa trilhar outro caminho.”
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