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A expectativa do prefeito paulistano, Fernando Haddad (PT), sobre o Projeto de Lei 17, de 2014, que define o realinhamento de 66 ruas e avenidas destinadas a receber 155 quilômetros de corredores de ônibus na cidade, é chegar a um acordo para votar o texto já nesta semana. Mas o prefeito encontra dificuldades e não é possível prever se o assunto será resolvido tão rapidamente. Na quarta-feira (12), Haddad sofreu um revés pela quinta vez em sua tentativa de votar o PL 17, quando a sessão plenária foi encerrada por falta de quórum. Para ser aprovada, a proposta precisa dos votos de 28 dos 55 vereadores.
Ainda assim, o governo acredita que, apesar das dificuldades, o projeto será aprovado logo. “Eu confio que a liderança do governo vai conseguir articular a maioria da base para votar esse projeto”, diz o vereador Antonio Donato (PT), ex-secretário de Governo da prefeitura.
As dificuldades se devem à conjugação de alguns fatores: parte dos vereadores da base do governo na Câmara Municipal considera que o prefeito não dialoga com eles e essa base, embora numericamente ampla, está longe de ser ideologicamente alinhada a Haddad. Da falta de diálogo reclamada pelos parlamentares decorrem problemas na sua prestação de contas em seus redutos eleitorais.
Segundo vereadores ouvidos pela reportagem, o PL 17, atualmente o “pomo da discórdia” entre o governo e o Legislativo, pode ser apenas a “ponta do iceberg” de problemas que podem se avolumar e degradar cada vez mais a relação entre o Executivo e o Legislativo.
Segundo o vereador Ricardo Nunes, líder do PMDB na Casa, há um acordo entre líderes prevendo uma emenda, já redigida, que tira do projeto um de seus pontos mais polêmicos: o alargamento das ruas Isabel Schmidt, Carlos Gomes e Borba Gato e da avenida Nossa Senhora do Sabará, na zona sul.
A proposta de construção do corredor de ônibus nesse trecho provocou reação da comunidade local, que fez manifestações significativas no plenário da Câmara nas últimas semanas. Comerciantes e moradores alegam que as 484 desapropriações previstas vão prejudicar a população e sugerem que as linhas de ônibus que passariam pelo corredor sejam transferidas para a avenida das Nações Unidas.
Segundo Nunes, um exemplo da “falta de sensibilidade” e de diálogo do prefeito e seus secretários com a sociedade e os vereadores na elaboração do projeto se reflete no Jardim Ingaí, na Pedreira, zona sul, onde está prevista a construção de um terminal de ônibus. Para fazer o terminal, diz ele, a prefeitura precisará desapropriar 109 casas. O vereador avalia que a gestão Haddad é técnica e muito teórica, e não vê os problemas reais nos bairros. “Ali no Ingaí, 80% são idosos e aposentados. O bairro é estruturado e não tem sentido essa opção. Existem outras possibilidades na região. Houve erro da Secretaria de Planejamento. Não levaram em consideração questões sociais, mas apenas topográficas. Eles têm que fazer os projetos considerando as pessoas.”
O peemedebista reclama que Haddad não conversa com os vereadores. “A última vez em que tivemos uma reunião foi depois da votação do IPTU [no final de outubro de 2103].” Naquela ocasião, a tramitação foi justamente o que abriu brecha para ações contra a correção do valor do imposto. PSDB e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) conseguiram liminares com base no argumento de que não foi respeitada a consulta à sociedade.
No caso dos corredores, Nunes afirma que a votação e possível aprovação do texto depende do cumprimento do acordo em torno da emenda sobre a Nossa Senhora do Sabará e de o governo retirar o terminal do Jardim Ingaí.
Mas sinaliza que outros pontos podem surgir como novos empecilhos a uma vitória de Haddad. O peemedebista Rubens Calvo, por exemplo, quer que haja um corredor na avenida Engenheiro Caetano Álvares (zona norte). “Tem vereador que conhece rua por rua, palmo a palmo nos bairros. O prefeito tem que conversar com eles”, aconselha o líder do PMDB.
As exigências dos vereadores revelam sua necessidade de prestar contas a suas próprias bases eleitorais. Mas os parlamentares, por sua vez, muitas vezes não têm uma visão da cidade como um todo. “Precisaríamos ver o alinhamento de todo esse projeto, que não conseguimos entender. Eu só consigo entender o alinhamento e corredor que é da Celso Garcia. Esse eu consigo entender porque conheço há muitos anos”, admite Adilson Amadeo (PTB).
O petebista reafirma a reclamação de Nunes por diálogo e critica Haddad. “O prefeito está perdido na cidade, porque ele não ouve os vereadores. Ele ouve os secretários, e a gente está vendo as manifestações, inclusive vindo à Câmara, para saber o que vai acontecer com elas”, diz Amadeo.
Atualmente um dos mais influentes vereadores na Câmara, o ex-presidente da Casa Police Neto, do PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab, vê evolução no debate e prevê acordo, mas para um desfecho posterior ao previsto por Antonio Donato. “Estamos num momento de receber os detalhes dos corredores, para debater com a sociedade as melhores alternativas. O governo já sinalizou que o corredor Sabará vai ter alterações. Vamos amadurecer. Acho que em mais 15, 30 dias a gente chega a um entendimento para votar em primeiro e segundo turno”, acredita o ex-tucano.
O oposicionista Ricardo Young (PPS) afirma que a discussão dos corredores de ônibus tem de ser levada para o debate do Plano Diretor. “Uma discussão que tinha que ser sistêmica acabou sendo em cima dos corredores propriamente e a população não tem informações necessárias”, avalia. “A proposta do governo não tem o embasamento necessário, da forma que está não dá para votar. Eu espero que não seja votado.”
Segundo Young, dois meses é um prazo razoável para discutir o PL 17, considerando sua abrangência e influência na cidade. “Para um projeto como esse, 60 dias não é nada. O governo pode esperar.”
Fidelidade
Adilson Amadeo é um dos inúmeros representantes da ampla base governista que não podem ser considerados fiéis, resultado do conhecido pragmatismo necessário para governar. Na Câmara, ele é conhecido por votar descolado de sua bancada. Ele votou contra o IPTU proposto por Haddad, por exemplo, que foi aprovado no plenário e depois derrubado na Justiça.
Em tese, o prefeito tem o apoio de 11 partidos mais o bloco DEM/PR, que somam 35 vereadores, contra uma oposição de apenas 12 parlamentares de PSDB (9), PSOL (1), PPS (1) e PV (1). O PSD, com 8 cadeiras, se coloca como “independente” na relação com o Executivo.
Analogia
As dificuldades, ainda contornáveis, de Haddad na sua relação com a Câmara podem ser comparadas com as enfrentadas pela presidenta Dilma Rousseff na Câmara Federal, na crise cujo pivô é o líder do PMDB, Eduardo Cunha?
Para o petista Antonio Donato, não. “É bem diferente. Aqui tem um projeto que está sendo debatido normalmente, que interfere na vida de muitas pessoas e é natural que o governo procure construir sua maioria, e vai ter sua maioria”, garante.
Police Neto também não vê motivos para comparações. “Não dá para comparar de maneira nenhuma, porque aqui tem um debate objetivo em cima de uma matéria. O que tem aqui é a necessidade de aprofundar o debate. Parece-nos que tanto os vereadores quanto a sociedade querem os corredores.”
Já Adilson Amadeo diz que o processo em São Paulo “sem dúvida é bem semelhante” a Brasília. “O prefeito acha que está tudo certo na cidade. Ele implanta faixa exclusiva de ônibus e não pergunta para a população, acha que temos um transporte de excelência. Nosso transporte, para ser de excelência, vai demorar 20 anos”, calcula.
Para o próprio líder do PMDB no Legislativo paulistano “não tem nada a ver esse negócio de comparar com Brasília”. Porém, ele diz que Eduardo Cunha “é um grande líder” e insinua que, se o partido não for respeitado, as relações podem desandar. “A Dilma já sabe que o PMDB não é subserviente a ninguém. O PMDB não é e nunca vai ser subserviente a ninguém. Não aceitaríamos que o Alfredinho [líder do PT na Câmara Municipal] fale conosco como Vicentinho falou com o PMDB em Brasília”, avisa Ricardo Nunes. Há dez dias, o líder do PT na Câmara dos Deputados afirmou que “um partido não pode ter duas caras”, em referência ao PMDB de Eduardo Cunha.
Para sorte de Fernando Haddad, o PMDB paulistano é proporcionalmente bem menor do que a bancada de Brasília. Na capital federal, são 75 deputados, 14,6% de um total de 512. Na capital paulista, dos 55 vereadores, apenas 4 são do PMDB. Ou seja, 7,2%, a metade da representação na Câmara dos Deputados.
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