Conjur vê "Operação Banqueiro" como tentativa de reanimar satiagraha

Portal Plantão Brasil
17/2/2014 13:37

Conjur vê "Operação Banqueiro" como tentativa de reanimar satiagraha

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Texto do jornalista Marcio Chaer, do site Consultor Jurídico, critica o livro Operação Banqueiro, seu autor Rubens Valente, repórter da Folha de S. Paulo, e o deputado Protógenes Queiroz (PCdoB/SP); "Se a lanterna de “Operação Banqueiro” jogasse luz, em vez de fachos de sombras, seus autores teriam dado mais espaço a duas investigações feitas pela própria PF sobre as falcatruas de Protógenes", diz ele; "A comovente tentativa de reanimar o cadáver da satiagraha com essa respiração boca a boca marca, de forma infeliz, o jornalismo e a literatura do país"



Por Márcio Chaer, do Conjur



No dia 1º de setembro de 2008, o outrora famoso procurador da República Luiz Francisco de Souza ajuizou uma ação de improbidade devastadora contra ele próprio. O procurador tentou fritar o financista Daniel Dantas e o grupo Opportunity com uma petição escrita pelo empresário Luís Roberto Demarco, pessoa interessada na fritura. Demarco emprestou o texto, Luiz Francisco emprestou a assinatura.



O problema da autoria não foi o único — até porque, enquadrar alguém com a fama de Dantas parecia ser, à época, um dever cívico de todos os brasileiros. O grave é que a ação se baseava em fundamentos falsos, como uma reportagem atribuída à Folha de S.Paulo, mas que o jornal nunca publicou. O texto da vida real, diferentemente do usado na petição, falava de doleiros, não do Opportunity. Interpelado sobre a falsificação, Rubens Valente, um dos autores do texto da Folha deu uma resposta aparentemente enigmática. “Não saiu [o texto citado na ação], mas é aquilo lá mesmo”.



O pano de fundo do episódio era a disputa para ver quem ficaria com um poderoso naco do bilionário mercado da telefonia, o da Brasil Telecom. O ganhador somaria um faturamento de 30 bilhões de dólares anuais com a operadora anexada.



Nessa disputa, o talentoso Luís Roberto Demarco, roteirista de boa parte dessa batalha, dublou deputados, policiais federais, procuradores e procuradoras da República e muitos jornalistas. Há pelo menos mais um caso de texto de Demarco na Folha publicado com nome de outra pessoa.



A Folha é um jornal rigoroso no controle de qualidade. Mas quase nenhum meio de comunicação ficou imune ao nível de articulação que envolveu essa guerra comercial.



O mal em nome do bem



As obras completas de Demarco foram condensadas em um livro lançado na primeira semana deste ano: “Operação Banqueiro”. O jornalista Rubens Valente — que aparece como autor da reportagem que não foi publicada, na ação que não foi escrita pelo procurador Luiz Francisco — assina a obra, que passa a integrar a coleção de livros sobre o fenômeno.



O livro foi oferecido antes à Editora Três Estrelas e à Publifolha, ambas da Folha de S.Paulo, mas foi rejeitado por defeitos incorrigíveis. A empreitada de bancar a ficção ficou a cargo da Geração Editorial, que pertence a Luís Fernando Emediato, ex-presidente do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador.



O enredo dessa “Operação” é um conto de fadas contemporâneo. Dois personagens heroicos, o juiz Fausto de Sanctis e o delegado Protógenes Queiroz decidem livrar o Brasil de um tubarão do mundo dos negócios: o nefasto Daniel Dantas. Mas mesmo munidos das mais evidentes provas, passam da condição de acusadores para a de acusados. Com poderes extraterrestres, Dantas compra o governo, a imprensa, os ministros do Supremo Tribunal Federal e escapa de todas as acusações. Os mocinhos caem em desgraça. O mal triunfa mais uma vez.



Para sustentar a fantasia, o livro omite, esconde ou minimiza as trapaças dos investigadores enquanto amplifica com malabarismos verbais as culpas de Dantas. Cria fatos também. Logo na contracapa, por exemplo, escreve-se que depois de condenar Dantas, o juiz Fausto de Sanctis “foi transferido para uma vara qualquer, sem brilho e poder”, o que nunca aconteceu. O juiz foi promovido a desembargador. Inventa também que Sanctis foi surpreendido no dia da posse, no final de janeiro de 2011, com a notícia inesperada de que iria cuidar de temas previdenciários no TRF3. Adesignação já era sabida mais de dois meses antes.



Ao tentar descrever uma enrolada história de suborno dos delegados envolvidos nas investigações, com base em uma gravação ininteligível, o livro atribui frases ao preposto de Dantas em um momento no qual ele ainda nem havia chegado ao local do encontro. Sempre acolchoado por truques de linguagem, o livro não informa o leitor, por exemplo, que Hugo Chicaroni (segundo a satiagraha, o indivíduo que fez a ponte entre Dantas e os investigadores) foi um ator introduzido na cena pelo delegado e não por Dantas. Quem escreveu a história esqueceu de revelar que Protógenes e Chicaroni vinham trocando telefonemas seis meses antes do que o livro indica.



Em nome do bem, sempre, o livro omite fatos. Esconde que Protógenes enriqueceu enquanto conduzia a operação satiagraha, fabricou provas inexistentes e agiu fora da esfera do serviço público. Omite as fraudes e falsidades policiais espantosamente acolhidas pelo procurador Rodrigo de Grandis e pelo juiz Fausto de Sanctis. Os rombos na descrição do falso suborno dos policiais são ignorados.



Rubens Valente terá a chance de explicar na noite desta segunda-feira (17/2), quando for entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura, porque enganou os leitores do seu livro em dois momentos fundamentais. No primeiro, esconde do leitor por que o alegado arauto da corrupção supostamente enviado por Dantas, Hugo Chicaroni, não foi grampeado, indiciado nem preso. O segundo é mais grave.



Faltou dizer que Protógenes desobedeceu a ordem para fotografar as cédulas do suposto suborno. A rigor, nem precisaria de ordem. Esse é um procedimento básico na polícia. Contudo, o Ministério Público pediu a providência, Sanctis deferiu, mas o delegado respondeu candidamente que o dinheiro já fora depositado em banco, o que tornou impossível o seu rastreamento.



Sobre as mentiras ditas a respeito deste site, de que este espaço foi oferecido ao Opportuniy para publicar “matérias de interesse do setor telefônico”, Rubens Valente, certamente, terá ocasião adequada para explicá-las.



Lanterna ao contrário

Já os extraordinários e-mails apreendidos com o consultor Roberto Amaral, que mostram Daniel Dantas, José Serra e Fernando Henrique Cardoso de corpo inteiro são escondidos nas últimas páginas do livro. É a melhor parte e a única novidade que o livro traz, muito embora a revista Época já tivesse publicado boa parte deles em 2011. A falha monstruosa, de minimizar essa passagem, do ponto de vista jornalístico, leva a uma só conclusão. O libelo não foi escrito para provar as culpas de Dantas e mostrar como tudo se deu, mas para tentar atenuar as penas de Luís Roberto Demarco, Protógenes Queiroz e demais parceiros que hoje respondem pelas porcarias que aprontaram. Eles estão sendo julgados por isso.



O Opportunity e Dantas afirmam que os e-mails são falsos. Difícil acreditar. A correspondência não revela crimes nem ilegalidades.



Se a lanterna de “Operação Banqueiro” jogasse luz, em vez de fachos de sombras, seus autores teriam dado mais espaço a duas investigações feitas pela própria PF sobre as falcatruas de Protógenes. A que foi conduzida pelo delegado Amaro Ferreira, em que o delegado expulso da PF foi indiciado por crimes de violação da lei de interceptação e quebra de sigilo funcional; e a que investigou a interceptação telefônica no STF.



Pelo primeiro inquérito, Protógenes responde junto com outro ex-delegado, Paulo Lacerda, mais os empresários Demarco e Paulo Henrique Amorim por corrupção, violação telefônica e prevaricação. O que se descobriu é que esse grupo forjou uma operação privada e fora das regras legais. Esse é o caso que mais preocupa a turminha — e que deu à luz os dois livros lançados recentemente. A decisão está nas mãos dos ministros do STF.



O segundo caso foi uma pantomima de investigação em que se tentou apagar os rastros das interceptações ilegais empreendidas pela turma de Protógenes. A leitura do inquérito, que concluiu que nada se poderia concluir, mostra o esforço dos encarregados em não chegar a lugar algum.



Nos depoimentos de 37 pessoas, espremidos em seis páginas incompletas, não se percebe, pelas respostas, uma única pergunta relacionada às maletas de grampo clandestino. O delegado Edson de Oliveira, em seu depoimento, afirmou que o então presidente do Sindicato dos Policiais Federais do RJ, Telmo Correa, lhe disse ter sido procurado pelo agente Rodrigo Távora Pescadinha Schnarndorf para se aconselhar.



Na ocasião, a hecatombe provocada pela notícia de que o STF fora grampeado sacudiu o país. Assustado com a gritaria, por ter sido ele o encarregado do grampo no STF, o agente teria procurado o líder sindical, temia ser sacrificado como único responsável pelo crime. Mas como Schnarndorf e Telmo negaram a versão, não se considerou necessário ir adiante.



Hall da desonra

Não se pode negar que o livro tem o mérito de trazer de volta uma discussão importante. A farsa montada com a operação testou todas as instituições. Mostrou as vulnerabilidades, as fraquezas e como se pode manobrar os fatos em nome de falso moralismo, idealismo de araque e boas intenções de mentirinha.



O livro tem traços de bipolaridade. Rubens Valente é um jornalista culto e cobre o mundo das leis há décadas. Difícil aceitar que ele tenha se enganado ao referir-se a Curso de Advocacia, em vez de Direito. Ou dizer que o presidente da República baixou um decreto que alterou a lei (página 252) ou as repetidas vezes em que o falso suborno ora é de 1 milhão de reais, ora de dólares (páginas 279/280). Muito menos que alguém pediu “vistas do processo” ou, pior ainda: “vistas aos autos”. O normal em Rubens — e nisso o livro é pródigo — é dizer coisas como “o STF contrariou o parecer do Ministério Público” ou que o Supremo contrariou uma decisão qualquer da primeira instância, inferindo uma inexistente inversão hierárquica.



Ao menos em um trecho, o livro chega perto de referendar um ponto de vista do ministro Gilmar Mendes. Desde a primeira menção à suposta tentativa de Dantas de pagar a um delegado para ser excluído do inquérito, o ministro sempre repetiu que isso não existe em contexto sob controle do Ministério Público e do Judiciário. Na página 388, o livro atesta: “O delegado nunca está sozinho no inquérito e suas conclusões são verificadas pelo MP e pelo Judiciário. Delegados não julgam nem denunciam, apenas apuram e informam”. A menos, é claro, que Dantas e seu exército de advogados não soubessem desse detalhe.



Não se pode negar que Rubens Valente faz jus ao nome e que é dono de uma coragem inexpugnável. A naturalidade com que ele tenta explicar a iniciativa de Fausto de Sanctis de quebrar o sigilo telefônico de todos os brasileiros é insuperável, assim como o fato de a operação satiagraha ter sido urdida em hotéis e escritórios privados — muito longe da PF. Boa a tentativa de apagar os rastros de Luís Roberto Demarco. Pena, para a tese, que as centenas de telefonemas trocados entre ele, Paulo Henrique Amorim, o delegado, deste com Chicaroni e outros paisanos do grupo, estejam nos autos dos processos.



Resta ao autor o orgulho de, com a obra, ter sido alçado ao seleto grupo do qual fazem parte Marco Aurélio Carone, Nilton Monteiro, Leandro Fortes, Ucho Haddad e Paulo Henrique Amorim. A comovente tentativa de reanimar o cadáver da satiagraha com essa respiração boca a boca marca, de forma infeliz, o jornalismo e a literatura do país.





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