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Apesar de teoricamente não se tratar de um presídio e sim de um hospital psiquiátrico do governo do estado de São Paulo, a Unidade Experimental de Saúde (UES) receberá nos próximos dias 13 agentes penitenciários de seis regiões do estado. Lá estão encarcerados cinco jovens infratores diagnosticados com transtorno de personalidade antissocial, que não cumprem pena nem recebem tratamento médico, como denunciou reportagem da RBA. O equipamento viola direitos constitucionais e sofre questionamentos até das Nações Unidas.
Os servidores, convocados pela Secretaria de Administração Penitenciária, trabalharão com duas folgas mensais de cinco dias “desde que o funcionamento da unidade esteja ocorrendo de acordo com as normas de segurança e disciplina estabelecidas”, como ressalta a edição da última quinta-feira (30) do Diário Oficial do Estado. Eles não terão alterações nos salários nem nos benefícios.
A chamada 'Guantánamo psiquiátrica' paulista – atualmente sob responsabilidade da Secretaria de Estado da Saúde – foi criada pelo governador-tampão Cláudio Lembo (DEM), que governou o estado de abril a dezembro de 2006, e mantida por seus sucessores, José Serra (2007-2010) e o atual governador, Geraldo Alckmin, ambos do PSDB. Desde o ano passado, uma ação judicial pede o fechamento do "hospital" por desrespeito aos direitos humanos e constitucionais.
Os internos são egressos da Fundação Casa que cometeram atos infracionais considerados graves e que já cumpriram as medidas socioeducativas previstas em lei. Sem terem praticado novos crimes, eles continuam detidos de forma "preventiva" e aparentemente perpétua. No suposto hospital não há médico de plantão, falta projeto terapêutico e regimento interno.
Apesar de a ‘Guantánamo paulista’ estar localizada na Vila Maria, zona norte de São Paulo, nenhum dos agentes penitenciários será da capital paulista: quatro virão de Sorocaba, um de Casa Branca, três de Pirajuí, dois de Presidente Bernardes, um de Dracema e dois de Tremembé.
O fato de haver agentes penitenciários trabalhando em uma instituição não penal levou o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca) de Interlagos a instaurar um procedimento jurídico no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça (CNPCP), em 2009, pedindo um parecer sobre a questão.
O conselho havia afirmado à RBA que o processo corria em segredo de Justiça. No entanto, o advogado que acompanha a ação civil, Daniel Adolpho, havia sido informado pela assessoria do relator, conselheiro Herbert Carneiro, “que o processo estava desaparecido do gabinete”.
Após a publicação da reportagem, o conselheiro afirmou à RBA que “nunca houve afirmação oficial” de que o processo houvesse desaparecido. Disse também que ele “ainda não foi finalizado” e que “a atribuição de inspeção do CNPCP continua em vigor”. Segundo Carneiro, não é possível responder “genericamente” se a presença de agentes penitenciários em equipamentos não penais é irregular. “Cada caso deve ser analisado na sua particularidades”, disse.
“Por diversas vezes, o CNPCP oficiou a entidade apontada para saber informações sobre seu funcionamento”, diz Carneiro. “Como respostas, obteve informações de que ali atuavam, sim, agentes penitenciários, mas que estes não tinham contato direto com os adolescentes, e mais, que nenhuma irregularidade havia sido constatada em razão dessa situação. Informou, ainda, que a mão de obra dos agentes penitenciários era usada em razão da falta de profissionais especializados para tal; e mais, que aquela entidade era constantemente fiscalizada por outros órgãos de controle da política de execução estadual das medidas socioeducativas. E que nenhuma restrição foi feita sob seu funcionamento.”
O advogado contesta: o termo de cooperação técnica que rege o funcionamento da unidade, estabelecido em 2007 entre a Secretaria de Estado da Saúde, Justiça e Defesa da Cidadania e a Secretaria de Administração Penitenciária não estabelece que deva haver contato dos agentes com os jovens, mas determina que os profissionais devam garantir a segurança dos funcionários e dos internos. “Isso demanda contato”, diz.
“Durante dia e noite, os agentes ficam no pátio junto com os jovens. Os meninos aprenderam a tratar uma horta com a ajuda de um agente que é agrônomo de formação. Por sete anos, minhas visitas quinzenais eram mediadas por cumprimentos, revistas e proibições feitas pelos agentes”, diz. “Não há, ademais, como o CNPCP afirma as condições de contato dos agentes com os jovens sem ter ido à UES e testemunhado algo”, conclui.
As irregularidades da instituição, como a falta de médico de plantão, de projeto terapêutico e de regimento interno, fizeram com que a Organização das Nações Unidas realizasse duas vistorias no local, em 2011 e em 2013. O órgão avaliou o funcionamento da unidade como irregular e pediu o encerramento das atividades. Segundo a assessoria de imprensa da ONU-Brasil, conclusões e recomendações serão apresentadas ao Conselho de Direitos Humanos, em maio, em Genebra, na Suíça.
Além disso, a Procuradoria da República de São Paulo, entidades pró-direitos humanos e o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo moveram uma ação civil pública exigindo o fechamento da unidade, no ano passado, que será julgada pela Justiça Federal.
A petição inicial do processo classifica o tratamento dado aos jovens como “medieval”. “São encarcerados sem o devido processo legal, por tempo indeterminado, em estabelecimento que não lhes proporciona tratamento adequado aos distúrbios de que são portadores”, diz o texto. “Além de estarem sendo responsabilizados duas vezes pela prática de um mesmo fato, a internação na UES se dá por tempo indeterminado, como se fosse perpétua.”
Segundo o documento, em março de 2013 trabalhavam no local um psiquiatra, porém apenas às quintas-feiras, por meio período, um psicólogo, um enfermeiro e dois auxiliares de enfermagem. Foram abertos processos seletivos simplificados, com contratos temporários, para a contratação de psicólogos, assistentes sociais e enfermeiro. A RBA solicitou o quadro de pessoal atualizado para a Secretaria de Estado da Saúde, responsável pelo local, mas não obteve resposta.
“Todos os meninos têm laudos médicos no mínimo contraditórios ou opostos. Nenhum deles tem um laudo que diga qual é o tratamento”, conta o advogado Adolpho. "Se você tem um sintoma e vai ao médico, ele te avalia, dá o diagnostico e indica um tratamento. No caso dos meninos, parou em uma etapa anterior. Criou-se um diagnóstico, emprestado do modelo prisional, mas não indicam tratamento.”
Após reportagem da RBA denunciando o caso, a assessoria da Comissão de Direitos Humanos do Senado se comprometeu, em texto, a “começar a acompanhar o caso e fazer as gestões políticas em favor dos jovens que lá se encontram”, logo após o recesso parlamentar. O colegiado se comprometeu a fiscalizar o governo Alckmin para garantir o cumprimento do fechamento da unidade, caso a Justiça aceite denúncia encaminhada na ação civil pública.
A Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo também se posicionou sobre o caso. O coordenador de Políticas da Criança e do Adolescente, Fabio Silvestre, reconheceu que a unidade funciona como uma prisão e se comprometeu a conversar a respeito com a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria de Administração Penitenciária sobre o funcionamento da unidade.
Em entrevista à RBA, o secretário municipal de Direitos Humanos, Rogério Sottili, afirmou que não visitou a unidade e que ainda não houve conversa com o governo do estado a respeito. “O fundamental é que nós não devemos criar nenhuma exceção no tratamento de qualquer questão relativa à criminalidade. Isso é um risco muito grande. Essa unidade foi criada em condições em que surgiram vários questionamentos.”
Não existe destinação orçamentária especifica para a Unidade Experimental de Saúde no orçamento do governo estadual de 2013. O estabelecimento não consta do organograma da Secretaria Estadual de Saúde e não está inscrito no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Segundo o Ministério da Saúde, responsável pelo cadastro, o registro só é obrigatório se a unidade receber financiamento do governo federal. O processo aponta que os recursos para a unidade são do Tesouro estadual.
A RBA tentou por diversas vezes contato com a Secretaria Estadual de Saúde, mas não obteve resposta
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