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Felipe Victor Gomes dos Santos deixou para trás a plantação de milho e batata, o medo de pescar em alto-mar e a ajuda que recebeu durante anos do Bolsa Família para se tornar o único eletricista qualificado de São Miguel do Gostoso, cidade com 9.000 habitantes no litoral do Rio Grande do Norte.
Há dois anos é "patrão de si mesmo" e de outros dois estudantes de 17 anos que, assim como Felipe, planejam montar seu próprio negócio.
No uniforme e no cartão de visitas, para reforçar a experiência profissional, o desenho de um pequeno raio anuncia: residencial e predial.
"Viver do trabalho era um sonho, entre outros que ainda quero realizar", diz Felipe, 22, que hoje ajuda os pais a cuidar de quatro irmãos.
No quintal da casa do eletricista ficam espalhados escadas, ferramentas e equipamentos de segurança, antes transportados em um carrinho de pedreiro e agora levados em uma moto.
A poucos metros dali está o Mercadinho 2 Irmãos. No estabelecimento de um único caixa, a ex-sacoleira de Caruaru (PE) Silvana Januário da Silva, 28, faz as contas ao lado do marido, Manoel Barbosa da Silva, o Pepeca, 33, e controla o que falta nas prateleiras para atender moradores e turistas atraídos pelos fortes ventos da costa, ideais para a prática do kitesurfe.
Para conseguir fechar o balanço, em uma comunidade na qual a maior parte dos clientes "pendura" as compras na caderneta e paga por semana, o casal decidiu abrir as portas antes da concorrência, às 5h30, e fechá-las também mais tarde, às 20h.
A meta é aumentar o faturamento e pagar o empréstimo feito para montar o mercadinho. Com o CNPJ de microempreendedora em mãos, Silvana deixou há três meses de receber o Bolsa Família.
REI DO PASTEL
Distante 330 km de Felipe e Silvana, Giovani Soares de Paiva, 46, trocou a vida de subsistência como lenhador para ser o "Rei do Pastel" do sertão, em Messias Targino, no interior potiguar. Com a mulher, Lena, 45, e o filho Juan Gustavo, 19, montou uma barraca em frente a sua casa.
A família já faz a conta de como é viver sem ajuda dos cerca de R$ 70 mensais que recebiam do Bolsa Família.
Dona Lena ajuda a fechar o orçamento fazendo faxina na casa de quem precisa --R$ 10 a R$ 20, dependendo de quem pagará a conta.
O "Rei do Pastel" virou atração para os 4.000 habitantes de Messias Targino.
A massa é comprada pronta, de um revendedor de Caicó, cidade próxima, e o produto é frito na hora. São 1.200 pastéis vendidos por semana, a R$ 0,75 cada um. O valor sai do bolso de estudantes e moradores da cidade, que vivem de aposentadoria, do salário de funcionalismo ou de bicos.
As vendas aumentam com as promoções feitas na rádio local, apregoadas em cartazes afixados na fachada da casa ou enviadas por celular -os clientes são catalogados por operadora, e quatro chips dão conta do recado.
"Com o óleo da fritura, faço sabão para o consumo da família e não poluo o ambiente", informa o texto que chega do celular de seu Giovani para o da Folha, assim que a reportagem deixou a cidade.
No vocabulário do empreendedor, que foi fazer cursos do Sebrae no município vizinho para estudar o mercado em que atuaria, já constam palavras e conceitos de quem pensa mais longe: "Se tivesse capital de giro, montaria filial e ampliaria o cardápio".
Felipe, Silvana e Giovani são três dos 244.761 microempreendedores individuais, os MEIs, que foram ou ainda são beneficiários do Bolsa Família, programa de transferência de renda que beneficia famílias em situação de pobreza em todo o país. Foram 13,5 milhões em 2013.
Não é possível saber quantos deixaram o programa e passaram a viver com a renda do próprio negócio, mas o Sebrae já identificou essa migração em algumas regiões.
Dos 2,6 milhões de microempresários individuais (formalizados), 9,3% são oriundos do Bolsa Família. "O empreendedorismo é uma porta de saída", afirma Luiz Barretto, presidente do Sebrae. "Se o negócio não der certo, ele tem prioridade para retornar e receber o benefício."
Quase um terço dos empreendedores do Bolsa Família vive nos Territórios da Cidadania, áreas com baixo desenvolvimento que recebem, do Sebrae e do Ministério do Desenvolvimento Social, apoio de agentes de orientação empresarial e de microcrédito.
"São iniciativas que podem ajudar, mas estão longe de resolver a desigualdade regional. O PIB per capita no Nordeste ainda vale 49% do do Sudeste", diz Alexandre Rands Barros, professor da Universidade Federal do Pernambuco, que estuda o tema.
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