752 visitas - Fonte: O Globo
BRASÍLIA — Antes de citar um estudo de "uma universidade alemã" sobre supostos efeitos colaterais do uso de máscara contra a Covid-19, em transmissão ao vivo pela internet na noite desta quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro avisou que não entraria em detalhes sobre o levantamento. Resumiu a conclusão da pesquisa dizendo que "elas são prejudiciais a crianças", causando uma série de reações como irritabilidade, dor de cabeça e dificuldade de concentração. A descrição de Bolsonaro usa a mesma ordem de efeitos que consta em enquete online realizada pela Universidade de Witten/Herdecke, em outubro do ano passado. O resultado foi classificado como enganoso, limitado e parcialmente falso por órgãos de checagem e cientistas.
A reportagem questionou o Palácio do Planalto na manhã desta sexta-feira a respeito da pesquisa citada na véspera pelo presidente, mas não obteve resposta até o momento.
Na quinta-feira, lendo um papel que continha dados sobre a enquete, Bolsonaro disse em sua live semanal que "começaram a aparecer estudos sobre o uso de máscaras" e apontou um exemplo de uma universidade alemã, sem especificar qual.
Segundo o resumo do estudo, um formulário on-line foi disponilizado para que pais, médicos, pedagogos e outros submetessem suas observações. O registro foi abastecido por 20.353 pessoas. Destas, pais apresentaram dados relativos a 25.930 crianças.
Prejuízos causados pelo uso de máscaras na enquete foram relatados por 68% deles, segundo o documento. Os efeitos citados foram irritabilidade (60%), dor de cabeça (53%), dificuldade de concentração (50%), redução de felicidade (49%), relutância em ir para a escola ou creche (44%), mal-estar (42%), aprendizagem prejudicada (38%) e sonolência ou fadiga (37%).
— Pessoal, começam a aparecer estudos aqui, não vou entrar em detalhe, né?, sobre o uso de máscaras. Que, num primeiro momento aqui uma universidade alemã fala que elas são prejudiciais a crianças, e levam em conta vários itens aqui, como irritabilidade, dor de cabeça, dificuldade de concentração, diminuição da percepção de felicidade, recusa em ir para a escola ou creche, desânimo, comprometimento da capacidade de aprendizado, vertigem, fadiga... Então começam a aparecer aqui os efeitos colaterais das máscaras, tá ok? — declarou Bolsonaro, na noite de quinta.
O presidente disse ainda que não entraria em detalhes porque "tudo deságua em crítica" em cima dele. E disse ter a sua opinião sobre máscara, acrescentando que "cada um tenha a sua".
— Mas a gente aguarda um estudo mais aprofundado sobre isso por parte de pessoas competentes — complementou.
Estudo foi questionado por organizações
No começo do mês passado, a organização sem fins lucrativos Science Feedback — que verifica a credibilidade de alegações que dizem ser científicas nos tópicos de clima e saúde — já havia analisado publicações que citavam o estudo e chegou ao veredito de que a conclusão não é baseada em evidências.
A avaliação foi que a pesquisa teve embasamento inadequado, ao considerar relatos em uma questionário on-line sobre os efeitos negativos do uso de máscaras em crianças.
"O estudo não pode demonstrar uma relação causal entre o uso de máscara e esses efeitos em crianças, devido a limitações na sua formatação. Também não levou em consideração fatores de confusão, como a presença de doenças ou condições pré-existentes em crianças, que poderiam causar os mesmos efeitos negativos relatados. Os pais entrevistados no estudo também podem ser predispostos a não usar máscara, o que pode ter influenciado suas respostas", apontou a Science Feedback.
O site de checagem PoliFact, dos Estados Unidos, também analisou a pesquisa alemã e atestou que o estudo a partir da enquete não provou que máscaras têm efeitos negativos em 68% das crianças. A verificação apontou que os pais que participaram do levantamento usaram critérios subjetivos para descrever as reações de seus filhos. Destacam também que, apesar do número alto de participantes, a quantidade não diz nada sobre se eles são representativos da população alemã, já que a participação no estudo foi baseada meramente em preferência pessoal. "Há evidência para sugerir que o grupo foi fortemente enviesado para pessoas que eram céticos em relação a máscaras", afirmou o PoliFact.
Além disso, o site aponta que o estudo considera todos os resultados negativos, já sujeitos a interpretação, foram causados pelo uso de máscara, sem qualquer esforço para padronizar a descrição das reações de crianças ou qualquer grupo de controle. "O resultado é uma confusão de números, não dados válidos", concluiu.
Os dois veículos são parceiros independentes do Facebook na verificação de alegações falsas. A empresa marcou um post no Instagram que citava os resultados do estudo com a mensagem "informação parcialmente falsa".
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