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WASHINGTON — A insistência do presidente dos Estados Unidos em repetir alegações de fraude sem comprovação nas eleições americanas elevou a tensão política em Washington. Em ciclos eleitorais passados, a equipe de transição já começava a se reunir com o governo anterior e a compartilhar informações preparando o caminho para a nova gestão. Com a recusa de Donald Trump em aceitar a derrota para Joe Biden, a preocupação institucional cresce, e a palavra “golpe” passa a integrar o léxico de analistas que tentam entender o momento atual.
— Ainda não estamos em uma situação similar à de Venezuela ou Bolívia, mas as pessoas não estão levando os comentários de Trump a sério porque isso nunca aconteceu aqui antes. Do meu ponto de vista, é um golpe em formação — diz o professor de História da Universidade de Georgetown Erick Langer. — Quando você demite seu ministro da Defesa, tentando conseguir lealdade no Exército para seguir suas ordens, isso soaria alarmes na América Latina e em qualquer outro país se acontecesse, e deveria provocar a mesma reação aqui também.
Na segunda-feira, primeiro dia útil de Joe Biden como presidente eleito, dia que escolheu para anunciar a equipe responsável por lidar com a pandemia do coronavírus a partir de 20 de janeiro, Trump tentou roubar os holofotes anunciando a demissão de seu secretário de Defesa, Mark Esper, pelo Twitter. Ontem, foi a vez do secretário de Estado, Mike Pompeo, chamar a atenção para si. Disse que haverá uma “transição suave” para um segundo mandato de Trump no país.
O professor da Universidade de Georgetown acredita que a expectativa é que as instituições sejam fortes o suficiente para impedir que um golpe aconteça, mas afirma que não é possível saber o desfecho.
— A pergunta aqui, como na América Latina no passado, é: os militares vão aceitar ir adiante com isso?
Papel dos militares
A relutância do presidente e do Partido Republicano — apenas cinco senadores republicanos reconheceram o resultado até o momento— em aceitar o resultado das eleições trará perda de credibilidade moral para falar sobre democracia em outros países, acredita Langer. O professor também compara a atual situação do país com golpes militares do passado na América Latina.
— Só o fato de que, nos EUA, a mesma pergunta que se coloca é uma que se colocou no passado no Brasil, na Argentina, no Chile, na Bolívia, no Peru e em todos esses países, na África, e os militares serem o fator determinante para se teremos democracia ou não, isso é muito perigoso, porque eles não deveriam nem ser colocados nessa posição.
O professor da Universidade Harvard Steven Levitsky acredita que as Forças Armadas nos EUA não se prestariam a uma “aventura” como esta, mas diz que é impossível ter certeza, pois o país nunca esteve em situação similar.
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— Trump é um autoritário com personalidade altamente narcisista e ele não consegue admitir a derrota. Sabíamos disso desde o começo da campanha de 2016, e foi incrivelmente irresponsável e inconsequente da parte do partido político nomear um autoritário para uma posição dessas.
O autor do best-seller “Como as democracias morrem”, que também emprega a expressão “golpe de Estado” para se referir aos movimentos do Partido Republicano, argumenta que a popularidade de Trump com sua base faz com que, mesmo sabendo da derrota do presidente, políticos do partido não tenham coragem de dizer que Trump foi derrotado.
— Por covardia política e pessoal, eles estão permitindo que Trump continue com esse circo, mas isso não é real.
Danos permanentes
Levitsky acredita também que não há saída para a estratégia de Trump e dos republicanos que ficarem a seu lado, já que, em algum momento, terão que aceitar a derrota. Nesse meio tempo, no entanto, estão destruindo a legitimidade das instituições democráticas e eleitorais americanas, pois convencem a base de que houve fraude. Pesquisa do Politico/ Morning Consult desta semana mostrou que 70% dos republicanos não acreditam que as eleições foram justas e livres.
O grande e permanente dano causado pelos republicanos, diz Levitsky, é convencer a base de que houve fraude ao preferir o silêncio.
—A narrativa vai continuar. Republicanos podem aceitar. Alguns republicanos podem não aceitar. Mas no círculo próximo a Trump e seus apoiadores ferrenhos irão para o túmulo dizendo que a eleição foi roubada. Isso traz consequências terríveis para a opinião pública e para a cultura política.
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