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O Ministério da Saúde impediu a organização humanitária internacional MSF (Médicos Sem Fronteiras) de atuar em sete aldeias terenas no Mato Grosso do Sul, com cerca de 5 mil indígenas, no combate à pandemia do novo coronavírus. Autorizou a ação apenas em uma outra aldeia não listada pela entidade, com cerca de 400 indígenas.
O veto foi denunciado pelos terenas por meio da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Em nota nas suas redes sociais, a liderança Sônia Guajajara afirmou que as aldeias estão "em colapso sanitário e com um aumento de 580% de mortes por Covid-19 entre indígenas do povo Terena, em menos de um mês". Ela disse que "a proibição da Sesai" sobre o trabalho da MSF "pode agravar os casos de contaminação na região"
De acordo com os indígenas, o veto partiu da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), vinculada ao Ministério da Saúde, em Brasília, que é presidida por Robson Santos da Silva, um coronel da reserva do Exército. Pela legislação brasileira, ações de saúde em terras indígenas precisam ser autorizadas pela União.
Eloy Terena, assessor jurídico da APIB, é nascido na mesma terra indígena em que a MSF iria trabalhar e explicou que o pedido de ajuda partiu dos próprios caciques porque "a Sesai não está tendo condições de atender a demanda". "Nós recebemos isso [veto] com muita preocupação. Quem, em sã, consciência, qual gestor público durante uma pandemia vai negar ajuda humanitária?", indagou Eloy, que representa a APIB no STF (Supremo Tribunal Federal) na ação relatada pelo ministro Luís Barroso sobre atendimento de saúde aos indígenas durante a pandemia.
Procurada pela coluna, a MSF informou, em nota, que a Sesai não concordou com o trabalho nas sete aldeias listadas pela entidade e sugeriu a Aldeinha. A MSF disse ainda que "continua em contato com as autoridades do Ministério da Saúde para entender de maneira clara as razões da não aceitação de nossa oferta de atuação original e de que maneira podemos eventualmente ajustar nossa proposta para que ela possa ser mais abrangente, possibilitando que atendamos o maior número possível de pessoas".
A coluna apurou que a Aldeinha, além de ter um número de indígenas muito menor do que o planejado pela MSF, fica a poucos quilômetros dos centros urbanos de Anastácio (MS) e Aquidauana (MS). A proposta da MSF incluía locais muito mais distantes de atendimento de saúde, a 20 km ou 30 km de Aquidauana, com estradas de difícil acesso, sendo, em tese, as comunidades que mais precisam de atendimento na pandemia.
Em nova proposta encaminhada pela MSF à Sesai, a entidade ampliou sua oferta para onze aldeias, incluindo Aldeinha, podendo atender até 6 mil indígenas. Nas duas propostas, a MSF deixou claro que o trabalho seria em parceria com o DSEI, distrito sanitário vinculado à Sesai de Brasília. Ainda não houve resposta à contraproposta.
Com o impasse, os profissionais de saúde de MSF estão parados na região, aguardando uma solução. Enquanto isso, a Covid-19 avança entre os indígenas. O Conselho Terena contabiliza 41 mortos da etnia até o momento, enquanto a estatística oficial do ministério registra 28 mortos em todo o Mato Grosso do Sul.
Surgida na França há quase 50 anos, a MSF atuou pela primeira vez no Brasil em 1991, justamente para socorrer indígenas vítimas de uma epidemia de cólera no Amazonas.
Durante a pandemia do novo coronavírus, a MSF já atuou em São Paulo, no atendimento à população de rua e depois em centros de tratamento para casos leves e hoje atua em parte de uma UTI na zona leste da cidade; em Roraima, com imigrantes venezuelanos e no hospital de campanha de Boa Vista; e no Amazonas, por cerca de um mês, no pico da emergência sanitária vivida pelo estado.
Antes de solicitar a autorização do Ministério da Saúde para atuar entre os indígenas de Mato Grosso do Sul, a MSF realizou uma pesquisa exploratória no final de julho, a fim de identificar as aldeias em que sua presença seria mais necessária. Em tempos de pandemia, a MSF tem recursos limitados e escolhe com cuidado a área onde sua atuação pode fazer a diferença. Foi feita a seleção de sete aldeias e o projeto foi enviado à Sesai.
A MSF trabalha com equipes pequenas, mas que na pandemia podem chegar a um bom resultado a partir da identificação de casos suspeitos, isolamento e tratamento, quando necessário, interrompendo a cadeia de transmissão do vírus.
Para os indígenas terenas, a MSF levaria EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), medicamentos e uma equipe chamado de clínica móvel, com um médico, dois ou três enfermeiros, profissional de promoção de saúde (que conversa com líderes indígenas sobre medidas simples de higiene e prevenção, a fim de disseminar conhecimento sobre saúde), e um técnico em água e saneamento para verificar condições sanitárias do local.
’Ajuda foi aceita’, diz secretaria do ministério
A Sesai argumentou, em nota à coluna, que tem trabalhado "com diversas parcerias para diminuir o contágio da Covid-19 nas comunidades indígenas de todo o Brasil" e que "foi expedido ofício nº 992, no dia 14 de agosto, orientando o DSEI-MS [Distrito Sanitário Especial Indígena] a aceitar a ajuda, e que esta foi aceita e seria prestada na Aldeia Aldeinha". "Cabe ressaltar que a Sesai é a responsável por atuar em territórios indígenas. Para isso, foi solicitada informações como nome, CPF e os registros profissionais, incluindo-se o CRM [Conselho Regional de Medicina] para os médicos, das pessoas que atuariam na área."
A Sesai reiterou que tem feito parcerias "com os governos dos Estados, prefeituras municipais, instituições privadas e organizações não governamentais". "Neste mês de agosto, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) deve levar atendimento à aldeia Aldeinha, em Aquidauana (MS). Para isso, a Sesai aguarda os dados dos profissionais e os registros no Conselho Nacional de Medicina dos médicos que atuarão em área indígena."
A coluna indagou por que foi rejeitado o plano inicial de atendimento às sete aldeias, mas não houve resposta até o fechamento deste texto.
Nota da Médicos Sem Fronteiras
Leia, na íntegra, a nota da MSF sobre a sua disposição de atuar em terras indígenas do Mato Grosso do Sul durante a pandemia:
"Médicos Sem Fronteiras (MSF) apresentou um plano de trabalho para atuação em comunidades indígenas da região de Aquidauana, no Mato Grosso do Sul (MS). A proposta prevê a realização de ações coordenadas com o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) de MS, contemplando visitas a comunidades com profissionais de saúde, com foco na prevenção e detecção de casos suspeitos de Covid-19, encaminhamento dos doentes para tratamento e apoio em saúde mental para comunidades e trabalhadores de saúde locais. Potencialmente, a proposta engloba uma população de cerca de 5 mil pessoas em 7 comunidades indígenas.
Em resposta ao plano de MSF, a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) autorizou que nossa organização trabalhe apenas na Comunidade Aldeinha, no município de Anastácio. O plano de trabalho será revisado [pela MSF] e Aldeinha será incluída, além de mais três comunidades e mantendo as sete originais. Com o ajuste, a população potencialmente beneficiada pode chegar a mais de 6 mil pessoas.
Acreditamos que temos mais a contribuir com uma oferta que inclua outras comunidades. No trabalho que realizamos previamente à elaboração do plano, detectamos dificuldades de acesso à saúde em diversas comunidades e recebemos pedidos de ajuda vindos de suas lideranças. Sempre nos propusemos a atuar de forma flexível e coordenada com as autoridades locais e vale também assinalar que temos plena consciência da necessidade de evitar a expansão do contágio em territórios indígenas. MSF possui rigorosos protocolos de prevenção e controle de infecções que vem aplicando com êxito durante seu trabalho de combate à COVID-19 em todo o mundo.
Estamos realizando contatos com as autoridades do Ministério da Saúde para entender de maneira clara as razões da não aceitação de nossa oferta de atuação original e de que maneira podemos eventualmente ajustar nossa proposta para que ela possa ser mais abrangente, possibilitando que atendamos o maior número possível de pessoas."
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