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CONCEIÇÃO FREITAS
O bípede que faz de Brasília o palanque de sua necropolítica
Um ser vindo das trevas percorre o Plano Piloto para nos envergonhar diante do mundo, para espalhar o vírus de sua existência maligna
12/04/2020 5:35,
ATUALIZADO 12/04/2020 8:29
lho para as imagens daquele espectro supostamente humano e não reconheço nele alguém – nem mesmo reconheço nele ninguém. Não pode ser, não somos da mesma espécie, bípedes, portadores de alma e consciência, compaixão e afeto. Há nele algo de sub-humano, de anti-humano, de desumano, no sentido mesmo de não ser possuidor de humanidade, essa definição múltipla e difusa que, minimamente, nos liga uns aos outros.
O homem, vou chamá-lo assim por falta de designação mais precisa, vai a uma padaria e a uma farmácia, na 2020ª Sexta-Feira da Paixão, na minha cidade, sonhada e construída por utópicos de vários matizes, desde um marechal, o José Pessoa, a um médico, o Juscelino Kubitschek, passando por um humanista, o Lucio Costa, e um comunista, o Oscar Niemeyer e a força de milhares de brasileiros.
Limpa o nariz com o antebraço, depois aperta a mão de uma mulher de cabelos brancos, fala com aquela voz que parece vir de sinistras profundezas, como se fosse a reverberação do mal. Talvez um/a fonoaudiólogo/a, um/a psicanalista possa identificar com mais precisão o que revela aquela estranha dicção. É como se a voz saísse de um caixa toráxica contida, aprisionada, das catacumbas onde algum dia se conseguiu conter o mal em sua feição mais aterrorizante. No sábado de aleluia, ele repetiu a cena gosmenta, desta vez no entorno do quadradinho, região que mais cresce demograficamente no país, território apátrida, que embora seja Goiás vive do DF, mas é desprezado pelos dois.
O cinema às vezes nos oferece a metáfora precisa – me lembro da voz gelada, tenebrosa e cortante do Hall de “2001, uma Odisséia no Espaço”, uma das obras-primas de Stanley Kubrick, mas até a voz do computador maligno soa menos tenebrosa que a voz do homem que saiu na Sexta-Feira Santa pela cidade que, por dever de ofício, o acolhe. Não sabemos a quantas anda a popularidade do ser espectral entre os 70% de eleitores brasilienses que o ajudaram a se eleger, mas os panelaços recentes e as reações de ontem indicam que algo mudou.
O que não muda é a fantasmagoria que emana do bípede de aparência humana que resolveu fazer de Brasília o palanque de sua necropolítica. Psicanalistas consultados pelo jornal Folha de S. Paulo, dias atrás, apontam sinais de paranóia na composição psíquica do ser espectral. Jornalistas que o conhecem desde os tempos em que era deputado federal lembram-se que era um político de quem os demais escarneciam dado o seu despreparo, a sua obsessão pelo mal e a ausência de projetos.
Todas as tentativas de explicar o surgimento da coisa estão muito aquém da coisa em si. Será ele a representação nítida, porque pública, porque poderosa, porque presidente de um país, do que de pior pode vir ao mundo como se humano fosse?
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